sexta-feira, 22 de julho de 2011

BEIJO NA MÃO

Beijo sua mão
Porque nela toquei primeiro.
São as mãos que unem a todos
Num aperto de trégua ou desespero.
Pode ser paz ou guerra,
O derradeiro suspiro.
Beijo sua mão, porque é um gesto bonito,
Foi com ela que depois corri seu umbigo.
Foi com ela que te disse adeus.


Ceilândia 1992

ODETE É PARA CASAR

O Aberlado já havia morrido há algum tempo e foi por isso que Odete entrou na pilha da amiga. Naquele dia sentiu uma vontade irresistível de entrar em um daqueles sites da internet, onde as pessoas se conhecem e conversam online. Primeiro esperou os filhos, tinha dois, saírem para seus afazeres, estava ansiosa, as mãos suavam e suas pernas tremiam como se fosse ter um encontro, coisa que já não acontecia há muito tempo. Colocou uma música suave no ambiente, vestiu uma roupa de seda, adequada para ficar por horas ao computado, caso encontrasse algum pretendente a altura. Foi tudo assim, muito rápido, como era uma mulher séria, não poderia dar espaço para que os filhos percebessem seu lado leviano. Mas o deus grandioso sabia como vinha se sacrificando sem um homem. Precisava de um, mesmo que virtual. Ligou o computador. As letrinhas começaram a subir, dançando na tela preta. Agora sabia que entraria em outro universo. Lembrou da amiga dizendo: "sua boba, outro dia conversei com um advogado bem educado, acabamos nos encontrando, é um crime deixar um homem daqueles passar." Esfregou as mãos. Sentiu a pressão de colocar no computador os números de sua senha pessoal. Um gesto sem significado tornou-se um ritual desengonçado, mas maravilhoso que fez seu coração acelerar. Enquanto esteve casada, nunca traiu o marido. Era, de fato, uma dona de casa, na acepção da palavra. Lembrava os leões de pedra às portas do império napoleônico. Acionou com dois cliks o botão do internet explore e aguardou carregar os pluguins, como de costume. Sua sorte é que aprendeu usar a internet muito cedo, mas em quase tudo ainda era muito inocente. Caminhava pelo mundo virtual deixando rastros, suas senhas ficavam pelo caminho, assim era também com o seu CPF e tudo o mais. Desta vez seria mais cuidadosa, já que como dizia sua amiga: "não vá deixar a calcinha no reservado da sala de bate-papo." As duas riam até, depois de algumas cervejas. A amiga já não sabia o que era o mundo físico, embora tivesse marido, aquele não existia. Apenas trabalhava e trabalhava, enquanto a mulher servia apenas para servi-lhe. Com o tempo foi se rendendo ao mundo virtual e depois não parou mais. O marido, coitado, debruçado sobre o trabalho não notava a mulher sempre abraçada àquele notebook. Odete, na sua infinita inocência, estava a escolher o nome com o qual entraria na sala de bate-papo. Pensou bastante, mas acabou por colocar seu nome mesmo, apenas acrescido do termo cam, ou seja, Odetecan. Não ficou muito bonito, mas isso não importaria. De fato, seus argumentos é que traria até ela um deus grego que estivesse por ali. Odetecam entra na sala, anunciaram, e ela toda dona de si sentiu o gosto saboroso de sair de casa. Era como estar em outro país recebendo as honras de primeira dama de outro Estado, mas viúva, claro. O primeiro que veio conversar com ela não era muito respeitador e logo a irritou. Ficou perseguindo-a com seus impropérios e a fez perceber que o mundo virtual é tão podre quanto o nosso estragado mundo físico. Sacudiu a veste de seda e saiu daquela sala. Entrou em outra. Lembrou do filho. Seu filho Rodrigo sempre dizia para o irmão e ela escutava. "eu entro só pra zoar!" no que o irmão dizia: "Você é estúpido, poderia aproveitar para conhecer as pessoas, para fazer amizades." De fato, eram muito diferentes, enquanto Rodrigo se dizia um cafajeste e cruzava a cidade com um grupo de motoqueiros baderneiros cometendo todo tipo de atrocidades, o irmão era sério e respeitador. Pedro, o filho mais novo, estudava o tempo todo. Dizia que o conhecimento era sua vaidade. De fato, dentro de sua simplicidade, os cabelos meio que jogados iam caracolando-se. Não apartava dos óculos nem mesmo para dormir. Era a mãe que os tirava, somente quando adormecia. Na nova sala deu mais sorte, foi recepcionada por um homem bastante educado. Saudou-a com um macio ’boa noite’, isso já a encheu de coragem. Como quisesse cortejá-la com cuidado, sem expô-la aos impropérios dos outros a convidou para um reservado. Odete foi às nuvens, já que ele acentuou que queria protegê-la. Foi assim que Odete enrubescida percebeu a seriedade daquele homem. Correu sangue por sua face branca, embora o homem não dissesse nada que a desabonasse. Conversaram por horas, sempre muito educados sobre os mais diversos assuntos. Nesse tempo Odete riu como nunca havia rido de um homem. Aduziu que aquele seria seu homem, foi uma decisão imatura, sabia, mas não tinha dúvida de que empatia sem lógica havia determinado aquele encontro. Todavia, o respeito daquele homem a deixava desconfortável, não sabia quando ele iria abordá-la com palavras fortes. Foi por isso que, depois de horas, naquele chove não molha, Odete perguntou se a webcam de Paulo estava funcionando. Ele respondeu que sim, no que ela respirou aliviada. Sabia que ele iria ligá-la a qualquer tempo e propor o inusitado. Seu lado de leão faminto iria aflorar e atacá-la. Abriu os botões da blusa de forma que aquele calor pudesse ser reduzido. Do outro lado o internauta enaltecia o gozo e brilho da língua portuguesa. Falava de coisas preciosas, lembrou como grafava determinadas palavras, ostentando a felicidade de participar de tais mudanças. Odete por outro lado, não estava gostando daquele papo, lembrou da amiga que sempre contava histórias picantes de suas viagens na internet. Aquela estava boçal, mas estava feliz, já que do outro lado, tinha um homem sério. De fato deu sorte, e como não recebesse convite para ligar a webcam limpou a garganta e sugeriu. "Sua câmera está funcionando?", recebeu a resposta; "sim!" Odete, foi ao delírio, agora a conversa seria outra. Arrumou-se na cadeira, passou a mão pelos seios tesos e pediu: "liga ela para eu te ver." Sentiu a voz da amiga no ouvido, já sabia o que diria, quando a vesse iria perguntar se marcou encontro. Marcou ou não? Diria, sem esperar que Odete contasse. A câmera começou a ser acionada e ela foi ao delírio, fechou os olhos, iria finalmente ver aquele homem gostoso. De olhos fechados, sentiu subir por sua alma o gosto gelado de sangue frio que equaciona estes momentos. De repente escutou aquela voz: "Mãe?!" Odete não foi feliz no seu primeiro encontro, era seu filho Pedro.

O Inferno de mim

Eu quero sentir
Este gosto
Que o amor não tem
Mas fica na boca
Da gente que se esvai.
Eu quero morrer
Feito louco
Sendo uma madona
Esperando seu navio
No mesmo cais.
E se vendavais existirem
Atrás da sua retina
Eu quero
Ser aspirina
Nos seus carnavais.
Mulher bonita
É de você que eu preciso
Para completar
Os meus escritos
E passar a viver
A realidade
Da minha alma
Que morreu
Ao te conhecer.
É só você
Quem me tira
Do inferno de mim.
É só você
Quem me tira
Do inferno de mim.
Só você,
Só você,
Sim.

Ceilândia 2010

Um desenho que fiz para última capa de um de meus livros





segunda-feira, 11 de abril de 2011

REUNIÃO DE ORQUÍDEAS

Quase tudo são rosas
Na vida
Que não foi vivida.
Um furacão pode
Destelhar o cérebro.
Não importa a dor
Se é apenas vento.
O ventilador da vida alheia
Espalha por aí
Uma frescura esquisita.
Alguma coisa desceu
Do céu
E está andando comigo
Para todos os lugares.
Qual é a importância
Que tenho nesses dias?
Um anjo bêbado e feliz
Contando histórias.
Boas histórias
De outro lugar.
Um padre
Sem batina ou roupas
Me puxa para jogar sinuca.
A vida é cheia dessas coisas.
Somos personagens
De uma história
Que nunca acaba bem.
Na casa
Tem uma porção de orquídeas
Falando da reforma ortográfica.
O cheiro não é bom
Mas o papo
É bem intelectual.

Ceilândia 2009

TEXTO PUBLICADO NA NET SE REFERINDO A SIDINEY BREGUÊDO

sexta-feira, 6 de novembro de 2009
Opinião: Brasiliense. Ou não...

Li o texto “Os muito brasilienses” da Conceição Freitas, que foi publicada no Correio Braziliense de 28 de outubro de 2009 e não agüentei, precisei comentar, pois ela tocou justamente num tema que nunca consegui engolir: a naturalidade brasiliense dos nascidos nas cidades-satélites de Brasília.

Na minha opinião a Conceição tem uma visão romantizada, para não dizer equivocada das coisas. Longe de mim querer tirar os méritos da jovem cidade criada para ser a capital do país, mas acredito que reduzir a naturalidade de tantas cidades diferentes, com características históricas e culturais singulares à única categoria de brasiliense é no mínimo pretensioso. Pretensioso, além de geográfica e culturalmente impossível, pois tanto Brasília quanto suas "satélites" pertencem a um único todo, que é o Distrito Federal.

Não há porque chamar ceilandenses, taguatinguenses, sobradinhenses de brasilienses. Isto é, de certa forma, usurpar a identidade cultural dessas pessoas. Pensemos bem: o que são as cidades-satélites? São cidades ao redor de Brasília, ou seja, são de Brasília, mas não são Brasília. E para quê chamar de brasiliense quem não nasceu em Brasília? Soa como uma forma de transmitir a idéia de democracia da nova capital federal. O velho papo-furado do regime democrático, onde todos têm voz. Uma idéia que pelo jeito funciona bem no plano do discurso, mas quem mora nas cidades-satélites sabe que a realidade é bem diferente disto. Experimente perguntar a qualquer um que mora em Brasília: você considera Samambaia, Gama, Recanto das Emas e as outras cidades-satélites parte de Brasília? Adivinha o que eles vão te responder...


Este assunto me lembrou uma tira em quadrinhos dos personagens “O padre e o anjo” do artista ceilandense Sidiney Breguedo, da qual transcrevo o diálogo a seguir.

Padre: - O Breguedo me criou, me criou na Ceilândia.
Anjo: - O que é a Ceilândia?
Padre: - A Ceilândia é uma cidade satélite!
Anjo: - Por que satélite?
Padre: - Porque tem que ficar lá no espaço, bem longe de Brasília!


O Breguedo disse tudo.
Os nascidos nas satélites só são aclamados como brasilienses quando ganham algum prêmio que possa trazer destaque à capital, como exemplo mais recente a Ketleyn Quadros, judoca campeã nas Olimpíadas de Pequim em 2008. Procure alguma notícia que a denomine ceilandense, como de fato ela é. Na hora da glória, todo mundo vira brasiliense...

Se nós, das satélites, fôssemos considerados realmente brasilienses como a Conceição diz, teríamos os mesmos direitos que a população de Brasília tem: jardins bem cuidados, mais segurança nas ruas, iluminação decente da cidade, asfalto em todas as vias, parques ecológicos para lazer da população, teatros, espaços culturais, museus, escolas públicas decentes, ah! Escolas-parque também...
Preciso falar mais alguma coisa?

Adriano Carvalho


Fonte: Por email.
Postado por + Ceilândia às 21:57 0 comentários

ANIMAIS E BICHOS

Não sou um severo defensor dos animais, muito embora acredite sermos todos responsáveis por aqueles indefesos seres pastando sem ofender a qualquer um. Sim, não sou ecologista, nem mesmo vegetariano. Quase toda sexta-feira desfruto de um delicioso churrasco temperado no sal grosso e feito com carne fresca. Então por que entrei no mérito de escrever esta crônica modesta, onde defendo os animais da violência gratuita que permeia as diversões dos homens. Ora, eu digo em instantes, mas primeiro quero devanear sobre a estupidez humana, tão em evidência nesses dias modernos. Assim falo porque tenho escutado sobre pesquisas estapafúrdias em que alguns animais não sentem dor. Ora, de que dor falam? A dor do amor, talvez, e assim não me fazem acreditar em tamanha asneira. A verdade é que os cavalos não amam? O sexo deles, soltos nos descampados campos verdes, parecem ter mais sentido que o nosso nos atribulados bailes funks. Mas não é de amor que pretendo falar, muito embora esta substância andrógena inexplicável tenha uma severa relação com a dor.
É sobre a dor dos animais esta dissertação. As desculpas mais comuns nos levam a crer que os peixes não sentem dor. Uma imensidão de notícias torna a pesca atividade saudável e familiar. Mas experimente puxar um peixe de dentro do seu ambiente com um mortífero anzol e vê-lo debater-se até a exaustão. Verá, meu amigo, que até os animais desistem da vida. Chega um momento em que para de se debater, muito cansado, e se entrega ao seu destino sendo sufocado pela poluição humana. Eu não posso acreditar que os peixes pensam. Então por que lutam contra o anzol, se não sentem dor? Será que buscam desesperados a liberdade porque leram a carta política francesa? Ou ainda, será que mordem a isca porque invejam a estupidez dos pinces que infestam os corpos dos homens? Não, nenhuma destas idéias corrobora com a lógica natural. Os peixes sentem dor e muitas vezes, buscando escapar daqueles inconvenientes arames em suas bocas debatem-se até a morte.
Não pense nestes seres como apenas reserva natural posta à disposição do nosso prazer e gozo. Não quero saber se as baleias choram ou se os macacos aprendem lógica. Isso, de fato, não se assevera importante. Mas preciso fazer uma análise quanto ao fato de amarrando um cavalo pelo pescoço com uma corda poder trazê-lo facilmente. Então por que não é tão fácil com os peixes, se eles não sentem dor?
Dúvida profunda desdenha da minha alma pouco humana quando penso no contrário. Um homem poderia estar passando próximo a um rio e um enorme anzol emergiria ansioso lhe fisgando pela boca. Arrastaria este débil mental para as profundezas e o deixaria se debater até a morte por asfixia.

UM QUILO DE POESIA

O espelho não mente,
É a sentinela na porta
Da imortalidade.
Não sei se estou ficando
Velho;
Ou se estou morrendo.
Os cabelos estão embranquecendo,
As espinhas estão parando de vir,
A respiração está ofegante,
Mas o mais difícil de entender:
Está mais fácil
Ganhar dinheiro.
Acho que estou morrendo.
O espelho não mente,
É a sentinela na porta
Da imortalidade.
A poesia ficou mais salgada,
Como se uma crosta pesada
De falsa vaidade
Tivesse saído dela.
E vem a razão de tudo,
O motivo porque escrevo.
Não existe semente
Que perdure nossas lembranças.
Só um livro velho
Me fará ser lembrado.
Não existem ações boas,
Não existem crimes,
Tudo fenece.
Jogam sobre a vida
Uma pá de cal,
Onde nem flores nascem.
O dedo martela as teclas do computador,
Quanto mais tempo passa
Mais sentido tem tudo isso.
O poema sendo esculpido
Com o tempo,
Mas o homem está morrendo.
O espelho não mente,
É a sentinela na porta
Da imortalidade.
Entrada: um quilo
De boa poesia.


ceilândia 2009